Confira a entrevista do presidente do Cremego, Aldair Novato Silva, publicada hoje no jornal O Popular
O POPULAR
Diálogo travado no consultório médico
Polêmica sobre “peleumonia” em São Paulo levanta debate sobre como pacientes são tratados por profissionais de saúde
Desandança, gastura, sentindo um trem ruim. Os termos populares e as diferentes formas como cada paciente se expressa no momento da consulta são inúmeras, mas não há motivo para desespero, ou mesmo para a produção de um dicionário. O diálogo tudo resolve e é essencial para a relação médico-paciente. Depois da polêmica “peleumonia”, quando o médico Guilherme Capel, de São Paulo, debochou de um paciente por dizer a palavra “pneumonia” de forma diferente, O POPULAR foi a postos de saúde conversar com médicos e pacientes sobre os o diálogo em um consultório.
Floriuma Ferreira de Oliveira, de 58 anos, acompanhava o pai no Centro de Atenção Integrada à Saúde (Cais)Pedro Ludovico e relatou que por diversas vezes quando buscou atendimento em outros postos ou hospitais, saiu do consultório sem conseguir o atendimento que esperava. “Eles são muito apressados, né? Não esperam a gente falar, ficam estressados com o que a gente fala. No fim, só passam uma receita e não falam nada“, contou.
Na fila para atendimento, Vanuza Maciel, 40 anos, fala que falta educação para parte dos profissionais. “Eles falam de um jeito que a gente não entende, e ai da gente se perguntar de novo”, disse a paciente.
A ginecologista e obstetra Doliana Martins Brasil de Moares, que trabalha na rede pública e privada, explica que no seu caso sempre prolonga as consultas, buscando ouvir o máximo possível das pacientes. Quando atuava na área de urgência e emergência, ouvia muitas palavras diferentes, mas garante nunca ter saído de uma consulta sem entender o que o paciente queria dizer. “Mesmo que a pessoa seja de outra região, basta ter boa vontade e bom senso”.
A médica enxerga a questão como oportunidade – enquanto ela teve oportunidade de estudo, outras pessoas não tiveram e nem por isso devem ser desrespeitadas. “Nós que temos que falar a linguagem do paciente, e não o contrário”, pontuou. Doliana se lembrou de um termo que ouviu recentemente – rodeira na vagina. “Era uma espécie de vento que a paciente sentia. Eu não entendi inicialmente, mas bastou conversar”, relatou.
Palavras não devem ser barreira
A linguagem usada pelo médico e pelo paciente não deve ser barreira para a comunicação durante consultas e exames. A regra vale para a relação que precisa ser de confiança para que o tratamento tenha o resultado esperado. A opinião é do médico cardiologista e escritor Celmo Celeno Porto. “Médico precisa se esforçar para entender o que o paciente diz e ainda tem que fazer o possível para ser claro quando explica sobre diagnóstico e tratamento.”
O médico Luigi Stefanni Griggi, que atende apenas na rede pública, explica que no início da carreira, quando ainda estava no Estado do Amazonas, onde cursou medicina na universidade federal, a linguagem popular às vezes o surpreendia e era necessário o auxílio de colegas. Atualmente, de volta a Goiás, Luigi atesta que não tem tanto problema e afirma que o momento do diálogo é a parte mais importante do diagnóstico. “Tão importante quanto os exames”, disse.
A enfermeira e gestora do Centro Integrado de Atenção Médico Sanitária (Ciams) do Jardim América, Valéria Nunes, veio da Paraíba há 18 anos e logo enfrentou dificuldade de entender expressões goianas. “Ouço muito aqui ‘estou sentindo uma coisa ruim’. Aí tem que conversar com a pessoa e tentar entender que coisa ruim é essa”. Com o tempo se adaptou, fazendo um esforço para entender o que o paciente falava – e desenhando, se necessário. “Às vezes os pacientes, principalmente idosos, não conseguem compreender os momentos de tomar a medicação. Aí eu desenho uma lua e um sol na caixa do remédio, para mostrar os horários”, relatou. De acordo com ela, os termos técnicos da saúde devem ser restritos aos profissionais.
Autor de livro sobre como examinar pacientes, Celmo Celeno Porto afirma que é durante essa relação inicial, de entrevista e conversas, que o paciente tem a oportunidade de se comunicar para explicar o que ele sente. É a partir disso que o profissional poderá tomar a decisão diagnóstica, que levará à segunda decisão importante, a terapêutica. “Antes essa relação era arbitrária, mas hoje não é mais assim. Nem deve ser. A relação precisa ser de confiança.”
Porto afirma que essa última decisão hoje é chamada de decisão compartilhada. “O paciente chega ao consultório com alguma sugestão do que ele tem. O médico ouve, solicita exames e confirma ou descarta a doença. Se não houver essa relação de confiança, o paciente nem volta. Para ter adesão ao tratamento, é preciso manter essa relação de confiança.”
Os livros publicados pelo médico, que também é professor, discutem em termos técnicos sobre essa relação. Em outro livro, Porto descreve situações verídicas. Chamado de Cartas aos Estudantes de Medicina, o livro cita exemplos e mostra consequências de como se deve proceder em algumas situações. Romper o sigilo do que acontece no consultório, por exemplo, é totalmente condenado pelo especialista.
Gerente de atenção primária da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia, Fabrício Montijo relata que na atenção básica é muito comum que médicos e enfermeiros tenham contato com pessoas com menor acesso aos estudos. “Antes da contratação, nós conversamos e detalhamos, entre outras questões, uma possível dificuldade de linguagem, de entendimento.”
Montijo diz que os próprios médicos se ajudam quando há essa dificuldade de entendimento, mas não crê que seja comum. “Por mais estudioso que o profissional seja, ele consegue ter ideia do que o paciente diz no momento do relato. Basta ter paciência e fazer as perguntas adequadas.” Ele informou que não há relatos de problemas como esse na rede municipal. “Caso haja, o paciente pode nos procurar.”
Para conselho, médico precisa falar a linguagem do paciente
O médico deve se fazer entender e buscar compreender o paciente. É o que diz o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), Aldair Novato. “Quando vai obter e dar informações, o profissional tem de falar a linguagem de quem ele está atendendo, isso gera a confiança que é fundamental na relação médico-paciente”, explica.
Novato condenou a atitude do plantonista que zombou de paciente na internet, por conta do português incorreto. “É um fato deplorável e temos que estar atentos até com brincadeiras, para que não venha a acontecer com a gente”, alerta.
Segundo o presidente do Cremego, existem resoluções dentro do código de ética que vetam práticas de zombaria. Também determina ao profissional o uso de termos de fácil entendimento tanto para o paciente quanto a sua família.
No entanto, Novato diz não ter registros de incidentes dessa natureza nos consultórios goianos. “Estou no Cremego há 8 anos e nunca ouvi falar nada nesse sentido.”
Em situações como a ocorrida em São Paulo, os conselhos regionais de medicina ou o próprio conselho federal pode abrir sindicância para apuração da conduta do profissional e impor punições.
3 perguntas para Celmo Celeno Porto
Médico cardiologista e escritor de livros sobre conduta médica fala sobre a importância da relação entre profissional e paciente para o sucesso do tratamento.
1 – Qual a importância do médico se esforçar para entender a linguagem do paciente?
A decisão diagnóstica depende da conversa que o paciente tem com o médico. O profissional precisa se atentar para os relatos, por mais simples que eles sejam. E nessa conversa é imprescindível que ele transmita confiança ao paciente. Só assim ele vai se sentir seguro e vai continuar o tratamento até o final. Se a relação não é forte, ele não vai fazer os exames solicitados ou comprar os medicamentos orientados.
2 – Como deve ser a conversa entre o médico e o paciente dentro do consultório?
O médico precisa ouvir e entender. Precisa ter paciência e atenção. Se não fizer uma entrevista bem feita, tudo mais vai dar errado. Não se pode perder a boa relação entre as duas partes por causa de pressa ou qualquer outro motivo.
3 – Qual a influência da internet nessa relação entre médico e paciente?
Quase todos os pacientes que chegam aos consultórios hoje têm alguma ideia do que têm. Antes de chegar ao consultório, ele já perguntou ao “Dr. Google”. E essa ferramenta abre mais um canal de diálogo, que pode ajudar a chegar no diagnóstico. (02/08/16)